19 setembro 2009

coisas de família

Existe um bolo tradicional na minha família que tem uma história. A receita desse bolo, foi dada para minha mãe, depois de muitos pedidos, pela tia dela, minha tia-avó Carmem. Esse bolo era feito pela família do marido da tia Carmem, uma família russa. Depois de muitos pedidos, tia Carmem cedeu e finalmente passou a receita desse bolo para mamãe. Mas, só para ela, pois considerava minha mãe, uma das melhores boleiras que conhecia. Fui encarregada de ir à casa da Tia Carmem buscar uma cópia da receita. A casa da Tia Carmem, era meio esterilizada. Tudo muito ariado, muito limpo, beirando o intocável, o impessoal. Meio sem vida mesmo. Parecia uma casa de cinema, de revista, irreal. Tia Carmem era uma professora aposentada, de modos delicadíssimos, mas um pouco seca para meu gosto. Me recebeu bem, me conduziu até a copa e sugeriu que me sentasse em uma cadeira em frente à mesa para copiar a receita. Enquanto buscava seu livro, corri os olhos pelo ambiente. A sala era composta por uma estante imensa cheia de livros. Um sonho, linda! O jogo de sofá, era de veludo vermelho com detalhes dourados. MARAVILHOSO! Só que estava todo coberto por um plástico incolor e transparente. Estranhei. Ninguém ali sentia a maciez do veludo. O tapete espesso, um legítimo Persa, como soube depois, era coisa de outro mundo, só que era coberto por passadeira onde era maior o transito de pés. Na copa, onde eu estava, havia um armário com muitos eletrodomésticos de última geração, pratica ou totalmente sem uso, e cobertos pelo mesmo plástico. Continuei estranhando. Mas o pior estava por vir. Assim que tia Carmem me deu um caderno onde deveria fazer a cópia e o livro de onde tiraria a receita, me coloquei a escrever. Depois de algumas palavras escritas, ouvi um grito. "Fátima!", esse é o meu nome. Quase caí da cadeira. "Pare com isso". Aí então, quase morri. "O que você está fazendo?". Ah, aquilo foi demais para mim. E continuou. "Onde aprendeu isso?". Meu Deus, o que foi que fiz, onde pequei, onde foi que errei? Então, reunindo as poucas forças que me restavam ante tamanho susto, num fio de voz, perguntei "Que foi? Eu não sei de nada". Foi quando tia Carmem tirou o caderno onde escrevia, das minhas mãos e o recolocou à minha frente, completamente reto. As linhas do caderno paralelas à beirada da mesa. Entendi meu pecado, meu crime. Foi colocar o tal caderno meio de lado, inclinado, meio tortinho, para pode escrever melhor. Tia Carmem disse então que quando alfabetizava, a primeira coisa que ensinava a aluno por aluno era, como pegar no lápis e a colocar o caderno reto à sua frente para melhor escrever e sendo assim, eu estava fazendo tudo errado. Só que eu estava na quarta série do primário e o vício já estava instalado. O que poderia fazer a essa altura? Tia Carmem não se deu por satisfeita e me fez copiar a tal receita, que por sinal era longa ou pelo menos assim me pareceu, com o caderno reto à minha frente. Me deu uma baita dor no pescoço. Minha coluna, não existia mais. Minha letra, nem mesmo eu, entendia. Que pânico. Tia Carmem, apesar de sábia, se esqueceu que é de pequenino que se torce o pepino e a essa altura, com dez anos, já não era tão pequena assim. Até hoje, quando vejo a receita desse bolo, que claro, mamãe fez questão de passar para todas nós, me lembro dessa história com certo friosinho na barriga. O bolo é o delicioso CHIFON DE CHOCOLATE que logo logo postarei aqui, é claro.

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